Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida
O uso da tecnologia de informação e comunicação (TIC) na escola carrega em si
mesmo as contradições da sociedade contemporânea. De um lado, dados do IBGE
(1999) apontam 13,3% de analfabetos com idade de 15 ou mais anos e média de 5,7
anos de estudos para pessoas de 10 ou mais anos de idade. Ressalta-se, ainda, a
preocupação com os altos índices de analfabetos funcionais, considerados pelo
IBGE como as pessoas que não completaram as quatro primeiras séries do Ensino
Fundamental. Por outro lado, o mundo digital invade nossas vidas e torna-se
imperioso inserir-se na sociedade do conhecimento. Como superar essa
contradição? Como participar da sociedade do conhecimento e, ao mesmo tempo,
ajudar a diminuir esses índices que nos deixam abaixo de diversos países,
inclusive os da América Latina?
Inserir-se na sociedade da informação não quer dizer apenas ter acesso à
tecnologia de informação e comunicação (TIC), mas principalmente saber utilizar
essa tecnologia para a busca e a seleção de informações que permitam a cada
pessoa resolver os problemas do cotidiano, compreender o mundo e atuar na
transformação de seu contexto. Assim, o uso da TIC com vistas à criação de uma
rede de conhecimentos favorece a democratização do acesso à informação, a troca
de informações e experiências, a compreensão crítica da realidade e o
desenvolvimento humano, social, cultural e educacional. Tudo isso poderá levar
à criação de uma sociedade mais justa e igualitária.
Como criar redes de conhecimentos? O que significa aprender quando se trabalha
com redes de conhecimentos?
Como inserir o uso de redes de conhecimentos na escola? O que cabe ao educador
nessa criação?
A metáfora de rede considera o conhecimento como uma construção decorrente das
interações do homem com o meio. À medida que o homem interage com o contexto e
com os objetos aí existentes, ele atua sobre esses objetos, retira informações
que lhe são significativas, identifica esses objetos e os incorpora à sua rede,
transformando o meio e sendo transformado por ele.
O uso da TIC na criação de rede de conhecimentos traz subjacente a
provisoriedade e a transitoriedade do conhecimento, cujos conceitos articulados
constituem os nós dessa rede, flexível e sempre aberta a novas conexões, as
quais favorecem compreender "problemas globais e fundamentais para neles
inserir os conhecimentos parciais e locais" (Morin, 2000, p. 14).
Com o uso da TIC e da Internet, pode-se navegar livremente pelos hipertextos de
forma não seqüencial, sem uma trajetória predefinida, estabelecer múltiplas
conexões, tornar-se mais participativo, comunicativo e criativo, libertar-se da
distribuição homogênea de informações e assumir a comunicação multidirecional
com vistas a tecer a própria rede de conhecimentos.
As conexões dessa rede surgem sem determinações precisas, incorporam o acaso, a
indeterminação, a diversidade, a ambigüidade e a incerteza (Morin, 1996).
Trata-se de uma constante abertura a novas interações, ao desafio de apreender
a realidade em sua complexidade, em busca de compreender as múltiplas dimensões
das situações que são enfrentadas, estabelecer vínculos (ligações) entre essas
dimensões, conectá-las com o que já conhece (nós), representá-las, ampliá-las e
transformá-las tendo em vista melhorar a qualidade de vida.
Na rede, aprender é descobrir significados, elaborar novas sínteses e criar
elos (nós e ligações) entre parte e todo, unidade e diversidade, razão e
emoção, individual e global, advindos da investigação sobre dúvidas temporárias,
cuja compreensão leva ao levantamento de certezas provisórias ou a novos
questionamentos (Fagundes, 1999) relacionados com a realidade.
O homem apreende a realidade por meio de uma rede de colaboração na qual cada
ser ajuda o outro a desenvolver-se, ao mesmo tempo que também se desenvolve.
Todos aprendem juntos e em colaboração. "Ninguém educa ninguém, como
tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão,
mediatizados pelo mundo" (Freire, 1993, p. 9).
Aprender em um processo colaborativo é planejar; desenvolver ações; receber,
selecionar e enviar informações; estabelecer conexões; refletir sobre o
processo em desenvolvimento em conjunto com os pares; desenvolver a
interaprendizagem, a competência de resolver problemas em grupo e a autonomia
em relação à busca e ao fazer por si mesmo (Silva, 2000). As informações são
selecionadas, organizadas e contextualizadas segundo as necessidades e os
interesses momentâneos do grupo, permitindo estabelecer múltiplas e mútuas
relações e recursões, atribuindo-lhes um novo sentido, que ultrapassa a
compreensão individual.
O grupo que trabalha em colaboração é autor e condutor do processo de interação
e criação. Cada membro desse grupo é responsável pela própria aprendizagem e
co-responsável pelo desenvolvimento do grupo.
Por meio de interações favorecidas pela TIC, cada participante do grupo
confronta sua unidade de pensamento com a universalidade grupal, navega entre
informações para estabelecer ligações com conhecimentos já adquiridos, comunica
a forma como pensa, coloca-se aberto para compreender o pensamento do outro e,
sobretudo, participa de um processo de construção colaborativo, cujos produtos
decorrem da representação hipertextual, comunicação, conexão de idéias no
computador, levantamento e teste de hipóteses, reflexões e depurações.
Nessa abordagem, a educação é concebida como um sistema aberto, "com
mecanismos de participação e descentralização flexíveis, com regras de controle
discutidas pela comunidade e decisões tomadas por grupos
interdisciplinares" (Moraes, 1997, p. 68).
Tecer redes de conhecimento na escola significa assumir a ótica da interação e
da colaboração entre alunos, professores, funcionários, dirigentes,
especialistas e comunidade. Nessa perspectiva, o professor trabalha junto com
os alunos e os incentiva a colaborarem entre si, o que favorece:
"uma mudança de atitude em relação à participação e compromisso do
aluno e do professor, uma vez que olhar o professor como parceiro idôneo de
aprendizagem será mais fácil, porque está mais próximo do tradicional. Enxergar
seus colegas como colaboradores para seu crescimento, isto já significa uma
mudança importante e fundamental de mentalidade no processo de
aprendizagem" (Masetto, 2000, p.141).
Assim, as interações entre as pessoas que se envolvem na criação dos nós de
suas redes de conhecimento propiciam as trocas individuais e a constituição de
grupos que interagem, pesquisam e criam produtos ao mesmo tempo que se
desenvolvem. Cada ser retira do hipertexto as informações que lhe são mais
pertinentes, internaliza-as, apropria-se delas e transforma-as em uma nova
representação hipertextual; ao mesmo tempo que se transforma, volta a agir no
grupo transformado e transformando o grupo.
Redefine-se o papel do professor: "mais do que ensinar, trata-se de fazer
aprender (...), concentrando-se na criação, na gestão e na regulação das
situações de aprendizagem" (Perrenoud, 2000, p. 139), cuja mediação
propicia a aprendizagem significativa aos grupos e a cada aluno. Dessa forma,
pode-se mobilizar os alunos para
a investigação e a problematização, alicerçados no desenvolvimento de projetos,
na solução de problemas, nas reflexões individuais e coletivas, nos quais a
interação e a colaboração subsidiam a representação hipertextual do conhecimento.
Ensinar é organizar situações de aprendizagem, criando condições que favoreçam
a compreensão da complexidade do mundo, do contexto, do grupo, do ser humano e
da própria identidade. Diz respeito a levantar ou incentivar a identificação de
temas ou problemas de investigação, discutir sua importância, possibilitar a
articulação entre diferentes pontos de vista, reconhecer distintos caminhos a
seguir na busca de sua compreensão ou solução, negociar redefinições,
incentivar a busca de distintas fontes de informações ou fornecer informações
relevantes, favorecer a elaboração de conteúdos e a formalização de conceitos
que propiciem a aprendizagem significativa.
Criar ambientes de aprendizagem com a presença da TIC significa utilizá-la para
a representação, a articulação entre pensamentos, a realização de ações, o
desenvolvimento de reflexões que questionam constantemente as ações e as
submetem a uma avaliação contínua.
O professor que associa a TIC aos métodos ativos de aprendizagem desenvolve a
habilidade técnica relacionada
ao domínio da tecnologia e, sobretudo, articula esse domínio com a prática
pedagógica e com as teorias educacionais que o auxiliem a refletir sobre a
própria prática e a transformá-la, visando explorar as potencialidades
pedagógicas da TIC em relação à aprendizagem e à conseqüente constituição de
redes de conhecimentos.
A aprendizagem é um processo de construção do aluno – autor de sua aprendizagem
–, mas nesse processo o professor, além de criar ambientes que favoreçam a
participação, a comunicação, a interação e o confronto de idéias dos alunos,
também tem sua autoria. Cabe ao professor promover o desenvolvimento de
atividades que provoquem o envolvimento e a livre participação do aluno, assim
como a interação que gera a co-autoria e a articulação entre informações e
conhecimentos, com vistas a construir novos conhecimentos que levem à
compreensão do mundo e à atuação crítica no contexto.
O professor atua como mediador, facilitador, incentivador, desafiador,
investigador do conhecimento, da própria prática e da aprendizagem individual e
grupal. Ao mesmo tempo em que exerce sua autoria, o professor coloca-se como
parceiro dos alunos, respeita-lhes o estilo de trabalho, a co-autoria e os
caminhos adotados em seu processo evolutivo. Os alunos constroem o conhecimento
por meio da exploração, da navegação, da comunicação, da troca, da
representação, da criação/recriação, organização/ reorganização,
ligação/religação, transformação e elaboração/reelaboração.
A incorporação da TIC na escola favorece a criação de redes individuais de
significados e a constituição de uma comunidade de aprendizagem que cria sua
própria rede virtual de interação e colaboração, caracterizada por avanços e
recuos num movimento não linear de interconexões em um espaço complexo, que
conduz ao desenvolvimento humano, educacional, social e cultural.
O movimento produzido pelo pensar em redes de conhecimento propicia ultrapassar
as paredes da sala de aula e os muros da escola, rompendo com as amarras do
estoque de informações contidas nas grades de programação de conteúdo. Dessa
forma, parcela significativa desse contingente de analfabetos (de fato ou
funcionais) poderá desenvolver a capacidade de utilizar a TIC na criação de
suas redes de conhecimento, superando um grande obstáculo para a construção de
uma sociedade mais justa, ética e humanitária.
Para incorporar a TIC na escola, é preciso ousar, vencer desafios, articular
saberes, tecer continuamente a rede, criando e desatando novos nós conceituais
que se inter-relacionam com a integração de diferentes tecnologias, com a
linguagem hipermídia, as teorias educacionais, a aprendizagem do aluno, a
prática do educador e a construção da mudança em sua prática, na escola e na
sociedade. Essa mudança torna-se possível ao propiciar ao educador o domínio da
TIC e o uso desta para inserir-se no contexto e no mundo, representar,
interagir, refletir, compreender e atuar na melhoria de processos e produções,
transformando-se e transformando-os.