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Os desafios da linguagem no século XXI - Pedro Demo
De acordo com Pedro Demo "A linguagem do século XXI – tecnologia, internet – permite uma forma de aprendizado diferente." A escola ainda está dando os primeiros passos em relação ao uso da tecnologia enquanto lá fora a criança está em contato direto com diferentes formas tecnologicas. Demo diz que "A pedagogia precisa inventar um professor que já venha com uma cara diferente, não só para dar aulas e que seja tecnologicamente correto. Que mexa com as novas linguagens, que tenha blog, que participe desse mundo – isso é fundamental."
Certamente o uso de métodos
tecnologicos nos leva a assumirmos uma postura diferente em relação aos
tradicionais médotos de aprendizagem uma vez que a passividade em
aprender dá lugar a interação. Consequentemente a aprendizagem do aluno
acontecerá de forma muito mais verdadeira e concreta. Claro que diante
de tudo isso o educador precisa estar em constante aperfeiçoamento, como
afirma Demo "É preciso um curso grande, intensivo, especialização,
voltar para a universidade, de maneira que o professor se reconstrua."
Ou seja, tudo isso passa por investimento em educação e principalmente
investimento no PROFESSOR.
Pedro
Demo é professor do departamento de Sociologia da Universidade de
Brasília (UnB). PhD em Sociologia pela Universidade de Saarbrücken,
Alemanha, e pós-doutor pela University of California at Los Angeles
(UCLA), possui 76 livros publicados, envolvendo Sociologia e Educação.
No mês passado esteve em Curitiba para uma palestra.
O tema de sua palestra é “Os desafios da linguagem do século XXI para a aprendizagem na escola”.
Quais são os maiores desafios que professores e alunos enfrentam, envolvendo essa linguagem?
Quais são os maiores desafios que professores e alunos enfrentam, envolvendo essa linguagem?
A
escola está distante dos desafios do século XX. O fato é que quando as
crianças de hoje forem para o mercado, elas terão de usar computadores, e
a escola não usa. Algumas crianças têm acesso à tecnologia e se
desenvolvem de uma maneira diferente - gostam menos ainda da escola
porque acham que aprendem melhor na internet. As novas alfabetizações
estão entrando em cena, e o Brasil não está dando muita importância a
isso – estamos encalhados no processo do ler, escrever e contar. Na
escola, a criança escreve porque tem que copiar do quadro. Na internet,
escreve porque quer interagir com o mundo. A linguagem do século XXI –
tecnologia, internet – permite uma forma de aprendizado diferente. As
próprias crianças trocam informações entre si, e a escola está longe
disso. Não acho que devemos abraçar isso de qualquer maneira, é preciso
ter espírito crítico - mas não tem como ficar distante. A tecnologia vai
se implantar aqui “conosco ou sem nosco”.
A linguagem do século XXI envolve apenas a internet?
Geralmente
se diz linguagem de computador porque o computador, de certa maneira, é
uma convergência. Quando se fala nova mídia, falamos tanto do
computador como do celular. Então o que está em jogo é o texto impresso.
Primeiro, nós não podemos jogar fora o texto impresso, mas talvez ele
vá se tornar um texto menos importante do que os outros. Um bom exemplo
de linguagem digital é um bom jogo eletrônico – alguns são considerados
como ambientes de boa aprendizagem. O jogador tem que fazer o avatar
dele – aquela figura que ele vai incorporar para jogar -, pode mudar
regras de jogo, discute com os colegas sobre o que estão jogando. O jogo
coloca desafios enormes, e a criança aprende a gostar de desafios.
Também há o texto: o jogo vem com um manual de instruções e ela se
obriga a ler. Não é que a criança não lê – ela não lê o que o adulto
quer que ele leia na escola. Mas quando é do seu interesse, lê sem
problema. Isso tem sido chamado de aprendizagem situada – um aprendizado
de tal maneira que apareça sempre na vida da criança. Aquilo que ela
aprende, quando está mexendo na internet, são coisas da vida. Quando ela
vai para a escola não aparece nada. A linguagem que ela usa na escola,
quando ela volta para casa ela não vê em lugar nenhum. E aí, onde é que
está a escola? A escola parece um mundo estranho. As linguagens, hoje,
se tornaram multimodais. Um texto que já tem várias coisas inclusas.
Som, imagem, texto, animação, um texto deve ter tudo isso para ser
atrativo. As crianças têm que aprender isso. Para você fazer um blog,
você tem que ser autor – é uma tecnologia maravilhosa porque puxa a
autoria. Você não pode fazer um blog pelo outro, o blog é seu, você tem
que redigir, elaborar, se expor, discutir. É muito comum lá fora, como
nos Estados Unidos, onde milhares de crianças de sete anos que já são
autoras de ficção estilo Harry Potter no blog, e discutem animadamente
com outros autores mirins. Quando vão para a escola, essas crianças se
aborrecem, porque a escola é devagar.
Então a escola precisa mudar para acompanhar o ritmo dos alunos?
Precisa,
e muito. Não que a escola esteja em risco de extinção, não acredito que
a escola vai desaparecer. Mas nós temos que restaurar a escola para ela
se situar nas habilidades do século XXI, que não aparecem na escola.
Aparecem em casa, no computador, na internet, na lan house, mas não na
escola. A escola usa a linguagem de Gutenberg, de 600 anos atrás. Então
acho que é aí que temos que fazer uma grande mudança. Para mim, essa
grande mudança começa com o professor. Temos que cuidar do professor,
porque todas essas mudanças só entram bem na escola se entrarem pelo
professor – ele é a figura fundamental. Não há como substituir o
professor. Ele é a tecnologia das tecnologias, e deve se portar como
tal.
Qual é a diferença da interferência da linguagem mais tecnológica para, como o senhor falou, a linguagem de Gutenberg?
Cultura
popular. O termo mudou muito, e cultura popular agora é mp3, dvd,
televisão, internet. Essa é a linguagem que as crianças querem e
precisam. Não exclui texto. Qual é a diferença? O texto, veja bem, é de
cima para baixo, da esquerda para a direita, linha por linha, palavra
por palavra, tudo arrumadinho. Não é real. A vida real não é
arrumadinha, nosso texto que é assim. Nós ficamos quadrados até por
causa desses textos que a gente faz. A gente quer pensar tudo
seqüencial, mas a criança não é seqüencial. Ela faz sete, oito tarefas
ao mesmo tempo – mexe na internet, escuta telefone, escuta música, manda
email, recebe email, responde - e ainda acham que na escola ela deve
apenas escutar a aula. Elas têm uma cabeça diferente. O texto impresso
vai continuar, é o texto ordenado. Mas vai entrar muito mais o texto da
imagem, que não é hierárquico, não é centrado, é flexível, é maleável.
Ele permite a criação conjunta de algo, inclusive existe um termo
interessante para isso que é “re-mix” – todos os textos da internet são
re-mix, partem de outros textos. Alguns são quase cópias, outros já são
muito bons, como é um texto da wikipedia (que é um texto de enciclopédia
do melhor nível).
Qual a sua opinião sobre o internetês?
Assim
como é impossível imaginar que exista uma língua única no mundo, também
existem as línguas concorrentes. As sociedades não se unificam por
língua, mas sim por interesses comuns, por interatividade (como faz a
internet por exemplo). A internet usa basicamente o texto em inglês, mas
admite outras culturas. Eu não acho errado que a criança que usa a
internet invente sua maneira de falar. No fundo, a gramática rígida
também é apenas uma maneira de falar. A questão é que pensamos que o
português gramaticalmente correto é o único aceitável, e isso é bobagem.
Não existe uma única maneira de falar, existem várias. Mas com a
liberdade da internet as pessoas cometem abusos. As crianças, às vezes,
sequer aprendem bem o português porque só ficam falando o internetês.
Acho que eles devem usar cada linguagem isso no ambiente certo – e isso
implica também aprender bem o português correto.
O senhor é um grande escritor na área de educação, e tem vários livros publicados. Desses livros qual é o seu preferido?
Posso
dizer uma coisa? Eu acho que todos os livros vão envelhecendo, e eu vou
deixando todos pelo caminho. Não há livro que resista ao tempo. Mas um
dos que eu considero com mais impacto – e não é o que eu prefiro – é o
livro sobre a LDB (A Nova LDB: Ranços e Avanços), que chegou a 20 e
tantas edições. É um livro que eu não gosto muito, que eu não considero
um bom livro, mas... Outros livros que eu gosto mais saíram menos,
depende muito das circunstâncias. Eu gosto sobretudo de um livrinho que
eu publiquei em 2004, chamado Ser Professor é Cuidar que o Aluno
Aprenda. É o ponto que eu queria transmitir a todos os professores: ser
professor não é dar aulas, não é instruir, é cuidar que o aluno aprenda.
Partir do aluno, da linguagem dele, e cuidar dele, não dar aulas. O
professor gosta de dar aula, e os dados sugerem que quanto mais aulas,
menos o aluno aprende. O professor não acredita nisso, acha que isso é
um grande disparate. Mas é verdade. É melhor dar menos aulas e cuidar
que o aluno pesquise, elabore, escreva - aprenda. Aí entra a questão da
linguagem de mídia: a língua hoje não é dos gramáticos, é de quem usa a
internet. Então a língua vai andar mais, vai ter que se contorcer, vai
ser mais maleável.
Então o professor gosta de dar aulas deve mudar esse pensamento?
É
um grande desafio: cuidar do professor, arrumar uma pedagogia na qual
ele nasça de uma maneira diferente, não seja só vinculado a dar aulas. A
pedagogia precisa inventar um professor que já venha com uma cara
diferente, não só para dar aulas e que seja tecnologicamente correto.
Que mexa com as novas linguagens, que tenha blog, que participe desse
mundo – isso é fundamental. Depois, quando ele está na escola, ele
precisa ter um reforço constante para aprender. É preciso um curso
grande, intensivo, especialização, voltar para a universidade, de
maneira que o professor se reconstrua. Um dos desejos que nós temos é de
que o professor produza material didático próprio, que ainda é
desconhecido no Brasil. Ele tem que ter o material dele, porque a gente
só pode dar aula daquilo que produz - essa é a regra lá fora. Quem não
produz não pode dar aula, porque vai contar lorota. Não adianta também
só criticar o professor, ele é uma grande vítima de todos esses anos de
descaso, pedagogias e licenciaturas horríveis, encurtadas cada vez mais,
ambientes de trabalho muito ruins, salários horrorosos... Também nós
temos que, mais que criticar, cuidar do professor para que ele se
coloque a altura da criança. E também, com isso, coloque à altura da
criança a escola – sobretudo a escola pública, onde grande parte da
população está.
Fonte: Nota 10